Human
Eu sou a humanidade.
De arma em punho e bombas nos olhos, espalho guerras em nome da paz.
Sou água e fogo, as ruínas e o progresso, o silêncio e a tempestade, o vento e o sufocar.
Trago em mim a busca incessante pela simplicidade das pérolas e sedas, sou a mera coincidência do encontro avassalador entre o ontem e o agora. Sou meu perfeito mundo e também o seu mundo imperfeito, sua derrota e seu silênciar.
Em meu caminhar cavo as sepulturas que enterram minha própria covardia e gero as novas ideias que implantam velhos ideais.
Sou a humanidade, o concreto e o abstrato, prisão e liberdade, carícia e tortura...sou o tudo... e sou o nada.
O conflito e a arrogância me dão existência e no egoísmo e na opulência minha indiferença venho justificar. Sou a solidão que espalho, o medo, a dor...eu sou o próprio amor!
Homem e mulher, criança, jovem e anciã.
Sou a mão que se levanta de punho fechado,
a pedra lançada contra a vidraça blindada,
o carro importado que atropela e foge, o indígena queimado, a lei de papel.
Sou a moça que a propriedade privada jogou pela janela, que ficou na rua crivada de balas, o bandido branco em prisão domiciliar, que financiou a bala e manchou de sangue o uniforme da escola,
o menino negro que "errou" o térreo e pulou do nono andar.
Sou o salto alto gasto nas esquinas escuras das grandes cidades,
a miséria, o excesso, a prostituição. Sou o desfile de moda sem normalidade e a indiferença feita religião.
O branco que reclama o racismo reverso de dentro de um carro importado qualquer. O cidadão "de bem" que moraliza a escola enquanto espanca um corpo de mulher.
Sou árvore que cresce no conhecimento dos programas de TV, enquanto as escolas caminham descalças na escravidão moral do analfabetismo.
A gravata, a enxada, o engraxate, o manequim...
Sou criatura e criador, a música e a nota musical, a existência e o vazio.
Sou puta, gay, trans, sou quem morre de frio na porta da loja de grife, sou a chama apagada vagando a rua deserta, o sonho que não se pôde comprar e a nota de dólar que o fez morrer.
Sou a vida que segue sem razão de ser e a esperança que insiste em ainda existir.
O casal de namorados trocando juras de amor, a traição, o engano e a solidão.
Sou as cruzes pregadas na praia, a morte de quem finca e a vida insignificante de quem foi, o silêncio das igrejas e templos, a arma apontada na cara do trabalhador.
Sou o navio de ferro flutuando sobre o oceano e sou a água salgada que o consegue afundar.
Sou uma bolha de sabão sob o sol amazônico de julho e sou a enchente de rejeitos avançando sob o mar.
(12/07/2020 - Cametá/PA)
Gaby Faval
Enviado por Gaby Faval em 12/07/2020