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Meu Diário
23/10/2020 18h13
Histórias e mães

As primeiras memórias que tenho da leitura são com minha mãe. Noites frias e a luz tênue de um abajour na mesinha de cabeceira. 

Nunca era um momento programado com início e final, sempre era um momento de conversas aleatórias, ensinamentos e pensamentos compartilhados que terminavam em alguma poesia recitada de memória ou um conto interpretado minuciosamente para encantar.

Confesso que poucas são as leituras que recordo, mas as interpretações dela, suas mãos no ar, suas múltiplas vozes pensadas para cada personagem, a ênfase de sua voz para emocionar ou impactar...isso é inesquecível. Cheguei a pensar que nunca conseguiria ser como ela. Havia algo de especial nela que, para mim, a tornava insubstituível...era o fato de ser minha mãe!

Então, o tempo foi passando e meus filhos foram chegando. Um dia me percebi com três lindas meninas, curiosas, atentas e que adoravam histórias, principalmente as de terror, as histórias incomuns.

Minha rotina de trabalho me tirava de casa antes que elas acordassem e me fazia chegar em casa depois das 22h, quando elas já estavam dormindo...ou deveriam estar. Mas como eu conhecia muito bem minhas pimpolhas, sabia que a simples possibilidade de trazer uma "história nova" as manteria alertas à minha chegada. Sendo assim, tirava a última hora de trabalho para pesquisar na internet uma história que não fosse macabra demais, nem infantil demais. Imprimia e voltava pra casa lendo duas e até três vezes enquanto o ônibus fazia seu trajeto.

Mal abria a porta e ouvia desde o quarto as vozes dizendo:

- Mamãe chegou! Mamãe chegou! Vai ter história!!

Nesse momento o cansaço sumia, porque eu deixava de lado a funcionária, a esposa, a mãe e me tornava a contadora de histórias. Entrava no quarto já mudando a voz e dando vida à narradora e construindo o ambiente para cada personagem.

Enquanto contava, observava as expressões de cada uma delas e mesmo aquela que pulava de cama em cama ansiosa pelo momento em que a bruxa ou seu similar apareceriam, estava atenta e vivenciando o mundo paralelo que eu criava no quarto a meia-luz. 

Seus olhos e rostos acompanhavam minhas falas, reprisando gestos, franzindo sombrancelhas, movendo bracinhos...e por alguns momentos me via novamente menina, ouvindo a interpretação da minha mãe, deitada na cama. 

O dia tinha, então, o final mais perfeito e a lembrança de minha mãe me desejava "boa noite" enquanto beijava a testa de cada uma e as colocava pra dormir.

 

Publicado por Gaby Faval
em 23/10/2020 às 18h13
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